Imagem: Superinteressante - Assine Abril
OS ALBINOS DO QUILOMBO
Poema de Antonio Miranda
O bairro dos quilombolas era invisível,
coberto por uma nuvem de pós e dissimulo.
Não pagava impostos aquela gente miserável,
sem registro no cartório. Analfabetos.
Ruelas sem árvores, sem iluminação.
desolação a céu aberto, deserdados da sorte,
condenados à morte, sem remissão.
Casebres de pau-a-pique, folhas de palmeiras.
Sorte que viviam a jusante do rio
e as sujeiras desciam em enxurradas.
Prófugos da escravidão, desmemoriados
descendentes de escravos fomos esquecidos.
Albinos escondidos, como leprosos
vivendo com os espíritos errantes,
possuindo seus corpos sem transe
em noites argênteas e premonitórias.
Conhecido como bairro dos albinos
por causa de seus hábitos noturnos.
Extrema brancura da pele, não obstante
as feições negróides e cabelo enrolado.
Ostentavam olheiras escuras e usavam
roupas folgadas até às extremidades,
“São holandeses, garantia uma velha
já centenária e cega de catarata.
Bastardos abandonados pelas naus
batavas expulsos de São Luís e Recife,
condenados à diáspora, a dos não-cristãos
primitivos, animistas.
Nas labaredas eternas do inferno
das regiões equatoriais, a pele em chagas.
Havia também espécimes listrados
e malhados como vacas e zebras.
Expostos como atrações bizarras
ou exterminados em partos clandestinos
para não se ter que alimentá-los
na penumbra de choças como inúteis.
Protegidos pela escuridão e o anonimato,
dialogando com as almas dos falecidos,
comendo raízes sem sal, papeiras
deformes como galinhas agourentas.
Um deles trajava vestes femininas
quando deu à luz um monstro
que ostentava um rabo de réptil
e uma genitálias de jumento.
|